Eu, Tu, Ela, Nós, Vós, Eles

Tenho medo.

Tenho medo de me perder,

nos anos que para aí virão.

De não poder ser eu.

 

Este é para todos,

mas principalmente para os jovens.

Vamos mais a tempo de não perder tempo. 

 

Tenho quase 23 anos.

Sou adulto ?

A lei diz que sim,

mas tal não o sinto, na totalidade.

Sou criança ?

Por dentro, uma parte de mim quer dizer que sim,

mas já me sentam na mesa dos crescidos. 

 

Estou na transição.

Nas trincheiras.

A tentar não morrer já nos primeiros dias.

Ansioso.

Cada pensamento de incertezas que eu piso,

é uma mina a explodir-me no estômago. 

 

O meu medo vem daí.

Está tudo tão aberto,

mas a fechar-se ao mesmo tempo.

Milhares de possibilidades,

mas qual delas escolho ?

 

Dizem que esta transição é a melhor fase das nossas vidas.

Será ?

Talvez, mas só no dia em que morrer,

é que vou saber ao certo.

Confusa é de certeza, isso sim, já sinto na pele hoje.

Como senti ontem.

Como amanhã sentirei, certamente. 

 

Eu vejo-me assim.

Os pais vêem-me assado.

Os avós cozido.

Os tios grelhado.

Os amigos estufado.

Confuso. 

 

Eu acho que sei mais ou menos o que quero.

Mas prefiro guardar para mim.

Sei melhor o que não quero. 

 

Não quero ser como vocês, que vejo em todos os cantos,

escondidos dentro do vosso corpo,

até ao fim dos vossos dias.

Prisioneiros do ritmo acelerado que a vida toma.

Escravos de expectativas de terceiros.

Robôs automatizados,

que já nem sabem a quantas vão.

Sonhos postos de lado,

a passar fome,

acorrentados pelas mãos e pés.

Carcaças que deambulam na rua,

em decomposição,

que mostram ligeiros vestígios das pessoas que outrora as

habitaram.

 

Não quero morrer vivo.

Recuso-me. 

 

Mundo,

se me queres comprar a alma,

dá meia volta, que eu não ta vendo.

Se me quiseres roubá-la,

traz soqueiras e mais 3 iguais a ti.

Vai ser luta até à morte. 

 

Não ambiciono fama.

Nem um carro desportivo, que encha o depósito com o meu ego.

Nem uma mansão com quartos infinitos,

que guardam mais pó que memórias.

Nem uma mulher de programa, com má programação,

tão superficial que nem um arranhão deixava no Titanic.

 

Eu só quero ser eu.

Essa é a minha maior ambição.

O meu maior sonho.

Ser eu próprio,

venha o que vier.

O maior dos luxos. 

 

Mas quem sou eu ?

Quem és tu ?

O que é que eu quero ?

O que é que tu queres ? 

 

Foda-se, sabemos lá.

Aí está o problema.

Mas espero levar a vida toda a tentar descobri-lo.

Sabemos o que achamos que queremos,

e já é uma sorte. 

 

Mas este mundo também não facilita.

Fica ofendido com estes pensamentos incertos.

Este não vê a hora de nos desvendar.

Categorizar-nos e rotular-nos.

De vestir cada qual com o seu uniforme.

De nos matar financeiramente ao fim de cada mês.

 

Cada um algemado à sua secretária.

Cada um na sua linha.

Cada um no seu lugar.

Pôr-nos numa caixa,

juntos daqueles que iguais ou parecidos a nós são,

que nem as de fósforos.

E tal como os fósforos,

também nós estamos de cabeça cheia,

prontos a explodir em chamas,

e a extinguir-nos para sempre. 

 

Ainda agora estou a aprender a procurar-me,

já querem que me descubra ?

Confuso, é o que eu vos digo.

Mas vocês estão fartos de saber, tanto quanto eu. 

 

”Então, quem és tu ?”

”O que é que queres fazer da vida ?”

O meu medo é ter a resposta a estas perguntas na ponta da língua. 

Saber que estou a mentir, mal sai da minha boca.

Saber que estou a dizer o que querem ouvir.

 

”O que é que fazes da vida ?”

Fazemos o que não queriamos estar a fazer.

Fazemos o que tem de ser, até arranjar melhor.

Ignoramos os nossos sonhos.

Fazemos o que os nossos pais quiseram que nós fizessemos.

Fazemos sorrisos amarelos para pessoas como tu.

Fazemos essa mesma pergunta de merda a toda a gente,

para fingirmos que somos pessoas,

e esperamos ansiosamente pelo teu desinteresse e preconceito mal disfarçado,

enquanto a respondemos de volta. 

 

É o que a maior parte quer dizer,

mas guarda para dentro. 

 

”Que embaraçoso estarmos perdidos e infelizes.”

”Aposto que somos os únicos.”

”Parecem todos tão felizes e resolvidos.”

Pensamos para nós. 

 

Que medo acabar a fazer o que não gosto.

Por favor, não nos deixemos levar.

Lutem comigo.

Por vocês. Por nós. 

 

Sabem o que eu acho ?

Que se fodam as categorias.

Que se fodam as caixas.

Que se fodam os uniformes.

Que se foda o dinheiro certo.

Que se fodam os ”nossos lugares”.

Que se fodam as linhas.

 

Vamos ser quem somos. 

 

Piretes bem altos,

a quem nos levanta a sobrancelha.

Vai-te foder oh espantalho.

Sempre armado com a mesma tromba e olhos vazios.

Não há uma célula nesse corpo com personalidade.

Aposto que sangras cinzento.

Julgas e gozas com os que se procuram a si próprios,

porque já desististe de te procurar a ti mesmo.

Seu Maria vai com as outras.

Fraco.

Já te vi no National Geographic,

rodeado de milhares iguais a ti,

a fugir das leoas famintas.

Cedeste ao conforto do grupo.

Já perdeste o jogo antes de jogar.

O karma vai-te bater em remorsos,

nos teus últimos 100 metros. 

 

Diz-me mas é quem tu és, por detrás dessa máscara.

E quem sou eu ?

Vamos mais fundo.

Vamos apontar e disparar com verdade.

 

Não somos a nota que tivemos no teste.

Nem sequer o nome que escrevemos no cabeçalho.

Somos a caneta que escolhemos para fazê-lo.

Somos o erro ortográfico que demos. 

 

Não somos a música que pomos de carro cheio.

Somos o som que ouvimos sozinhos.

Nem somos o carro que temos,

mas sim a maneira como o conduzimos. 

 

”O que dizem os teus olhos ?”

Daniel Oliveira, muito respeito,

mas nós não somos o que eles dizem.

Somos o que eles não dizem.

Somos o que eles só dizem em segredo a nós próprios. 

 

Não somos o que fazemos 8h por dia.

Somos o que fazemos quando elas acabam.

Somos o porquê de as fazermos.

Não somos o número do nosso salário ao fim do mês,

mas onde o gastamos. 

 

Não somos a cor da nossa pele,

somos a importância que lhe damos.

Não somos a nossa orientação sexual.

Somos quem amamos e nos orienta.

Somos o nosso grupo de amigos.

 

Não somos nós aos olhos dos sogros.

Somos nós aos olhos do filho ou filha deles.

Não somos um certificado de licenciatura emoldurado na parede.

Somos as memórias que ficaram desses anos. 

 

Não somos a roupa que temos,

mas como a usamos e misturamos.

Não somos o prato final que apresentamos.

Somos a receita. 

 

Somos a careta que fazemos para nós próprios,

no espelho da casa de banho.

Somos nós sozinhos no quarto.

Somos o concerto sem público que damos no chuveiro,

aplaudido pelas gotas a bater no chão. 

 

Não somos nós só no presente.

Somos o que fomos e o que vamos ser.

Somos de onde viemos e para onde vamos. 

 

”Então, afinal de contas, quem és tu ?”

 

Eu sou os filmes que já vi mais que duas vezes.

Sou boom bap nos fones e cheesecake à sobremesa num restaurante.

Sou sapatilhas pintadas e um lucky strike.

Sou fraca memória crónica e sobrancelhas densas.

Sou de várias cores, mas gosto de usar preto.

Sou o meu irmão, a minha mãe e o meu pai.

Sou um romântico continuadamente solteiro e 2 ou 3 sonhos.

Sou corpo português e cérebro do mundo.

Sou pincéis e tinta e o meu quarto de infância.

Sou paciência infindável e 2 luvas de boxe.

Sou péssimo a matemática e não suporto falar em público.

Banalidade mata-me e individualidade rejuvenesce-me.

Sou bebedeira carregada e não acredito em Deus.

Sou roupa larga e conselhos amorosos para os meus amigos.

Sou fascinado por arte e odeio políticos falsos.

Sou alguns livros lidos e magro de mais para a minha altura.

Sou tu e tu és eu.

Sou tudo isto e muito mais.

Muito mais que ainda não conheço também. 

 

E com toda a certeza,

não sou nenhum poeta.

Sou este poema.

Muito prazer.

E tu, quem és ?